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Entrevista a Cliff Curtis

Fala-nos um pouco sobre Travis.

Travis Manawa é um professor do liceu, divorciado, com um filho adolescente, que está num relacionamento novo e entusiasmante com Madison Clark. Ela tem dois filhos adolescentes também. Travis está muito apaixonado e bastante empenhado em descobrir como fazer a sua nova família funcionar.

O que aprendemos sobre os seus valores?

Ele é um homem de família, orientado para a comunidade. Preocupa-se profundamente com as pessoas, em ajudar os outros, adora o ensino, adora os seus alunos, gosta de ver os outros a pensar e a ter sucesso. E, apesar de o seu primeiro casamento não ter dado certo, está em paz com isso, e a coisa mais importante para ele neste momento é fazer com que esta nova família funcione. É um homem que gosta de consertar as coisas. É muito útil numa situação de stress porque na sua mente tudo tem arranjo. É um otimista.

O que te chamou a atenção em Travis?

Gosto da ideia de interpretar um homem comum. Não é um super-herói com poderes especiais, é apenas um homem normal. Os problemas na sua vida são fazer um bom trabalho como professor, lidar com os seus filhos adolescentes e compreender as suas relações. E isso é realmente um ótimo ponto de partida, porque o que acontece na série é tão bizarro, extraordinário e não natural que em vez de ter uma resposta e uma abordagem de super-herói, é apenas um homem muito humano que não sabe o que fazer.

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Como é que um homem vulgar enfrenta o apocalipse?

Todos nós podemos falar sobre o que faríamos em determinadas situações. Todos temos uma ideia na cabeça, mas eu gosto da ideia de um homem comum que tem de enfrentar quem realmente é quando tudo corre mal. Estou a gostar muito de entrar naquela fase em que me apercebo que ele pode não ser “o homem”, mas que vai continuar a tentar. Não vai desistir, não é um cobarde, e estou realmente intrigado com esse equilíbrio que é ser desafiado e levado ao limite das capacidades físicas, emocionais e psicológicas, tendo que lidar com isso sistematicamente.

Isso também é uma coisa ótima das famílias. Quando és jovem, tudo é sobre ti, depois começas uma família e deixa de ser sobre ti, e então tens de tomar novas decisões na vida. Pensas nos outros, e eu acho que Travis tem muito disso, e ter uma família, estar apaixonado – faz também com que as pessoas se preocupem com os outros. Talvez se estivesse sozinho não fosse suficientemente forte. Mas porque acredita na sua família e na comunidade em que vive, tem mais poder de permanência do que teria como um indivíduo. Podes brincar com as vulnerabilidades do homem, porque quando as coisas ficam difíceis e começas a pensar na tua mulher ou filhos, ficas mais forte.

Acho que, no contexto da família, sob essas circunstâncias insanas em que o mundo está literalmente a cair aos bocados, é interessante. Podes sentir que ele pode não conseguir, que tem que ficar mais forte ou não vai conseguir. Enquanto é credível que ele se preocupa com os outros mais do que consigo mesmo, e que é daí que ele retira a sua força, eu gosto de Travis por essas razões. É bom para mim.

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Onde é que encontramos as personagens no início de Fear? Sobre o que é o Fear?

Fear é a primeira palavra no nome da nossa nova série. Vamos ouvir vezes sem conta que não é uma prequela nem uma sequela, é uma série acompanhante. É a nossa própria série. O que significa que é muito diferente. E o que eu gosto de pensar sobre a série e o que estou a aprender é que parece real. Isto podia mesmo acontecer. Não só toda aquela coisa dos mortos-vivos ou infetados, mas ver como um vírus pode atingir a humanidade e trazer ao de cima o que há de melhor e pior em nós e o quão rapidamente a nossa ideia de civilização pode sucumbir.

O que acontece se as coisas que nós temos como garantidas não estiverem lá? O que acontece se as pessoas que nós conhecemos deixarem de ser as pessoas que nós conhecemos? Não estamos a tratar disto de uma forma fictícia. Estamos a tratar disto de uma forma muito realista, muito fundamentada, e isto torna a série mais interessante para mim.

O que é que vai prender o público a esta série?

Há muitas personagens que estão a passar por situações diferentes. Imagino que quase toda a gente vá encontrar uma personagem com a qual se identifique. Se não gostas da personagem, provavelmente vais identificar-te com as situações, e essas têm camadas complicadas. Ter a família credível com alcance suficiente num elenco com que o público se pode identificar com um ou mais elementos, e depois – bang! A tragédia ocorre vezes e vezes sem conta e eu penso que isso é muito envolvente.

Por alguma razão gostamos de ver a humanidade passar por essas situações. Fazemo-lo desde as tragédias gregas. Estas são as nossas peças clássicas agora, que agora estão na televisão. E penso que sempre nos fascinamos com o que poderia acontecer. Como é que se iriam comportar as pessoas? Há algo que nos prende verdadeiramente às circunstâncias trágicas. Há a ameaça e depois o impacto e, por alguma razão básica, isso é entretenimento.

Também há uma espécie de pantomima na série em que o público sabe o que está a acontecer, semelhante a qualquer bom tipo de filme de terror. Acho que já tivemos momentos como esses suficientes na série para satisfazer essa emoção e há esperança suficiente para o resto, assim como para as nossas personagens. Bem, espero que elas fiquem bem!

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Qual é a essência da relação de Travis e Madison?

Os dois já foram casados, os dois têm filhos adolescentes. Precisam de saber que podem confiar um no outro e que se protegem mutuamente, mas o que vai ser testado na série é até que ponto. A cada volta vamos descobrir as nossas próprias limitações e as limitações da nossa relação. Não tem só a ver com o facto se nos vamos safar como família – mas se o vamos fazer como indivíduos e como casal.

Como é que Travis lida com o filho de Madison, Nick?

Os adolescentes são um desafio em todos os momentos. É a natureza de ser pai de um adolescente, mas nós temos um especial como o Nick. Ter um viciado em drogas na família é um pesadelo, mas penso que Travis gosta de Maddy e de tudo o que vem com ela. É a sua força e amor pelos filhos e a ideia de que ela nunca desistirá que significa muito para Travis, porque no seu casamento anterior ele nunca quis desistir e sentiu que não poderia ter feito mais nada para o fazer funcionar. Não importava o que tentasse com a sua ex-mulher Liza, não estava a funcionar. Não o conseguiu resolver. Ele é uma espécie de alma ferida e é muito importante ter encontrado alguém que não é um desistente, alguém que vai lutar pela sua família até ao fim, como Maddy . É assim que ele é.

Como é que Travis lida com o seu próprio filho, Chris?

Desde o primeiro episódio que estou afastado do meu filho, Chris, interpretado por Lorenzo James Henrie. Travis está a tentar aproximar-se de Chris e incluí-lo nesta nova família, mas Chris não quer ter nada a ver com ela. Chris não gosta de Nick e não quer de todo ter a Madison como segunda mãe. Não tem qualquer interesse na filosofia de família nova e mista de Travis. Portanto, Travis tenta negociar a sua relação, mas à medida que as coisas progridem e quando perceberem que é necessário criar um plano que lhes permita fugir ao caos, deixa de dar escolha a Chris.

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Como é que as famílias heróicas funcionam juntas?

A equipa fez um trabalho muito bom ao criar reviravoltas inesperadas na série nos puxam o tapete, mas no fundo gira tudo à volta de famílias que se tentam proteger e cuidar uns dos outros. Portanto, temos a família Manawa, a família Salazar e a família Clark. Em termos de preparar estas famílias diferentes, fizemos um excelente trabalho ao estabelecê-las e depois fundi-las e observá-las à medida que tentam resolver as coisas.

O otimismo do Travis vai ajudar ou atrapalhar durante o apocalipse?

Travis teve a clareza de espírito para perceber que no meio de toda a confusão havia uma escolha a fazer aqui, fazer mal e matar ou não. Espera que isto seja uma espécie de doença estranha que passe num dia ou numa semana, como um desastre natural. Então está a olhar para frente e a tentar encontrar uma maneira de não se deteriorar ou perder a humanidade no processo. Travis diria – como é que podes matar um ser humano só porque está doente? E entristece-o ver a vida humana ser descartada desta maneira.

Há escolhas diferentes que se podem fazer perante matar uma pessoa infetada e todos têm que decidir a sua. Há necessidade de matar, ou tem uma crença filosófica sobre a vida, isto é, fá-lo porque acredita numa ideia e a sua última escolha é considerar matar uma pessoa que ama num ato de misericórdia. As duas últimas não surgem de uma necessidade. Por isso Travis agarra-se a esta ideia – tanto quanto possível.
 
Fear the Walking Dead obrigada as nossas personagens a lutar cada vez mais. Como é que estas situações afectam os limites éticos destas famílias?

A série tem realmente um bom sentido de construção de tensão. Quando alguém acha que sabe quais são as regras, muda o jogo. É sobre ficar chocado com a nova realidade. Se nós desumanizarmos a população humana, e eles tornam-se uma ameaça para a vida, então eles são danos colaterais e não há uma linha muito limpa de discernimento. A luta das nossas personagens é tentar agarrar a humanidade enquanto puderem até que a necessidade surja. Onde está o limite?