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Entrevista a Rubén Blades

Quem é Daniel Salazar? Qual a sua história antes de o conhecermos em Fear?

Daniel Salazar é nativo de um país da América Central e chegou aos Estados Unidos na sequência de uma guerra que assolou o seu país durante o final dos anos 70/início dos anos 80. Veio para os EUA com a sua mulher Griselda e a filha Ofelia, e estabeleceu-se em Los Angeles onde moram muitas pessoas como ele. Abriu uma barbearia e é assim que ele é conhecido na vizinhança, como o barbeiro.
Acredito que se examinares as pessoas verdadeiramente, acabarás por ter muitas surpresas em termos do que é a tua opinião sobre elas versus a realidade. Somos todos indivíduos muito complexos. Temos tendência para categorizar, estereotipar e formar opiniões com base nas aparências, quando na realidade somos todos muito complexos. Portanto, o que vês não é exatamente o que é. Neste caso particular, pelas condições em que somos apresentados à minha personagem, não há mesmo nada que possa indicar algo fora do normal nesta família.

O que é que o intrigou no papel de Daniel Salazar?

Gostei do facto de Salazar ser tão complexo. Quando estava a ser recrutado para este projeto essa foi uma das coisas que me disseram e que imediatamente me fizeram ficar interessado. Já desempenhei vários papéis na minha vida e alguns deles não seriam considerados importantes porque não tinham uma participação extensiva no projeto. Mas qualquer papel tem a possibilidade do potencial.
Neste caso particular, o papel de Daniel Salazar vai trazer-me muita satisfação como ator. Mas como tudo, este foi um ato de fé. Acreditei no escritor e na forma como ele apresentou a sua posição. Foi esperto o suficiente, dentro das coisas que podia dizer (sem revelar demasiado), foi perspicaz o suficiente para aguçar a minha curiosidade, e estou contente por ter aceite o papel.

O que é que o facto de ter Los Angeles como pano de fundo traz à história?

Qualquer cidade que tenha uma população que exceda os milhões é o sítio perfeito para alguém se esconder à vista de todos. Esse é um aspeto disto. O outro é que nos Estados Unidos as pessoas tendem a deixar-te em paz. Há muito mais respeito e compreensão pela privacidade e portanto podes começar uma vida nova sem que ninguém saiba mais nada.

O que é intrigante acerca da premissa de Fear?

No início, eu pensava que era uma série de evasão. Nesta série em particular, a premissa é muito interessante, porque o que nos é apresentado é como seria o mundo sem lei, sem ordem, sem códigos de conduta, e como, e se, seria possível sobreviver nessas condições.
Esta é uma questão muito válida porque é interessante analisar como as emergências trazem ao de cima o que há de melhor e pior em nós. Pessoas não ajudariam outros em situações normais, quando nos encontramos em circunstâncias cataclísmicas, chegam-se à frente e ajudam estranhos, por vezes à custa das suas próprias vidas e segurança. Nesta série a questão é se isso se pode manter durante um colapso total da sociedade – e se será o melhor lado das nossas personagens a prevalecer, ou se iremos regredir para animais. A situação força-te a considerar todas estas questões.

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Como é que esta série é diferente de The Walking Dead?

Há diferenças imediatas. Este é o princípio da compreensão do problema. Ninguém sabe bem o que é. Não temos a certeza do que está a acontecer, não sabemos se é reversível, o que cria muitas questões e problemas morais em termos da forma de reagir.
Em segundo lugar, as ligações entre os indivíduos são baseadas numa realidade diferente da outra série, em que a situação é permanente e já sabes o que está a acontecer. Portanto, é muito interessante testemunhar o desenvolvimento da atitude que vai maturar na outra série à medida que as pessoas começam a compreender a situação em que se encontram.
Eu sou músico – nunca tenho o mesmo público. Isso significa que as personagens, apesar de enfrentarem situações semelhantes, não vão ser cópias fiéis da outra série, ou seja, há sempre um elemento de surpresa e de invenção de algo novo, e por isso não se pode verdadeiramente comparar as séries. É um público diferente, é uma série diferente.

Descreve a relação de Daniel com a sua mulher, Griselda.

Griselda representa estabilidade para Daniel, uma lembrança constante de que a bondade e o amor existem, de que a segurança existe. No mundo de Daniel isso é efémero. Daniel não é uma pessoa que confie nos outros por natureza, mas Griselda é a pedra basilar da sua vida e ele pode encontrar sempre o mesmo afeto, amor e compreensão. Ela também tem uma forma de pensar que é mais objetiva, menos guiada pela raiva e, no geral, mais racional. Por isso, Daniel pode sempre contar com ela.

Em que é que Daniel e Travis diferem na forma como lidam com o apocalipse?

Travis é boa pessoa. Os seus problemas e passado não levaram a que nem ele nem Madison chegassem ao sítio onde Daniel viveu e que sabe muito bem que existe. Portanto todas as reações de Travis serão condicionadas por essa inocência. Mas é inocência baseada em ignorância.
Escrevi uma música com Lou Reed, há muito tempo, chamada “The Calm Before the Storm”, e havia uma parte que dizia “Havia uma época em que a ignorância tornava a nossa inocência forte”. E lembro-me que Lou dizia “Não, não… havia um tempo em que a inocência tornava a nossa ignorância forte.” De qualquer forma, ambas as frases se aplicam neste caso.
Travis é um produto do mundo que existia, Daniel é o resultado de uma quebra anterior nesse mundo. Esse mundo forçou-o a sair, ir para os EUA, e ter novamente de renunciar a considerações éticas, o que, em última análise, é o mais difícil para ele. Daniel preferia viver no mundo de Griselda, e agora tem que fazer o que for preciso, mesmo que isso signifique separar-se da sua família para poder protegê-la.